A Syndra nossa de cada dia




Nos últimos anos, eu tendo a acreditar que duas situações invocam o pior das pessoas. A primeira delas é o trânsito, a lentidão interminável às cinco horas da tarde. Você só queria ir para casa e dar conta da fome que te consome. Oh boy, você até sente o cheiro da água fervendo em que você teria acabado de colocar seu miojo. A recompensa dos merecedores. Por outro lado, existem as partidas da moba. O tipo de jogo que hoje deve ser um dos centrais tem a capacidade de te colocar em situações cujos desdobramentos são menos do que lastimáveis. Embora improvável, a situação de uma partida de Legue of Legends pode te levar a pensar mais sobre a vida do que você imagina. Só não garanto se tratar de uma reflexão otimista.
Ops.


Todos conhecem como funciona a mecânica do moba e, mais especificamente, do LoL. Afinal, o mundo inteiro joga. O Brasil inteiro joga. Você pode ter certeza disso ao ver o tanto de espectadores em streams cujo idioma único é “português do Brasil”. Às 15h da tarde. O que poucos podem entender é a opressão sentida por alguém que joga sozinho. A missão de tomar conta de uma lane pode soar simples, mas se você prestar atenção mais detalhadamente, meu amigo, verá se tratar de um contexto rico.
Meu relato começa em uma partida em que estava jogando com alguns amigos. Os caminhos tortuosos do destino fizeram com que houvesse pessoas suficientes para fechar um time. Sem ignorar minha falta de habilidade, eu ainda quis jogar de mid, pois tudo que queria era teleportar com a LeBlanc, dar um susto e sair fora. Meu oponente? Uma Syndra furiosa e segura de suas habilidades. Ela realmente sabia o que estava fazendo, pois guardava seu stun para todas as vezes que eu dava meu teleporte glamorosa para cima dela. Quando percebi, estava perdendo a lane e já havia morrido duas vezes para ela. O que fazer, caro leitor? O que qualquer pessoa faria em uma situação de time fechado: chamar seu jungler para sentar a bunda dele na sua lane e aterrorizar seu inimigo com a chance iminente de morrer em uma situação de injustiça e frustração.
Por mais que, sim, nós tenhamos vencido, quero chamar a atenção para a posição da Syndra. Eu prezo minha saúde mental, logo, eu deixo o chat geral mutado, o que me livra de ler sobre como a minha mãe deve ter cometido certas atitudes pouco louváveis em sua vida ou como eu deveria aprimorar minhas habilidades em sessões intensa de treinamento. De vez em quando, alguém também tenta te dar um diagnóstico pouco confiável sobre sua capacidade cognitiva. De qualquer jeito, eu sempre escolho ignorar esse chat. Contudo, meus amigos que o liam, contaram, na hora, que a pessoa por trás da Syndra, xingava furiosamente. Ela simplesmente não aceitava que perder para alguém com menos habilidade do que ela. Minha vitória, claro, havia sido menos honrosa por ter necessitado do meu amigo. Ela estava frustrada por não ter conseguido tirar o proveito de toda a sua habilidade com as skills. Nós a fizemos se sentir injustiçada.
A questão não sobre o jogo ser em equipe ou não.
A questão é que, sim, Syndra, a vida é injusta.
Pelo simples fato de você morrer uma ou duas vezes na lane, eu consigo, além de tudo mais dinheiro do que você. Logo, compro itens melhores e expando a diferença entre nós. Todas as horas que resultaram nos seis dígitos de maestria com a Syndra não serviram de nada. Durante a vida, talvez muitos sintam-se na posição da Syndra: escondidos, através de suas torres, sem saber como agir, pois, a qualquer momento, a injustiça da vida pode cair sobre ela novamente. 
Espero que ela saiba não ter sido pessoal. Na verdade, não vejo como um sistema de opressão possa ser, necessariamente, pessoal. Ele é cruel e parece ser onipresente. Contudo, ele não te odeia enquanto pessoa. Ele te pune por existir.
A situação da Syndra fez com que eu pensasse como LoL pode ser uma experiência rica para pensarmos no outro. Afinal, você já se sentiu frustrado por não poder agir. Por perceber ficar cada vez mais difícil de alcançar seu adversário, não por falta de habilidade, mas, sim, por haver um sistema que parece conspirar contra você.
Talvez você seja a Syndra de hoje, como eu já fui a Syndra em outros momentos.
Resta apenas saber é se ainda teremos a coragem e o psicológico para apertar, novamente, o botão de procurar uma nova partida.

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