Os caminhos tortuosos de um jogo difícil - uma reflexão sobre Sekiro


Como um shinobi, você pode aproveitar de algumas técnicas de subterfúgio para abordar alguns inimigos espalhados pelo mapa. A shuriken é sua companheira e ela pode tanto atrair os inimigos para longe de um bando, como até executar os mais fracos. O ambiente é seu aliado se souber usá-lo. Escale onde puder e use as árvores, postes e paredes para agir de modo mortal. Contudo, um passo errado e sua presença é percebida. Desvie para o lado errado e você receberá dois ataques mortais. Sekiro, o novo título da Fromsoftware, propõe te dar as ferramentas para se tornar um assassino mortal, mas apenas se tiver a paciência e a perseverança de falhar miseravelmente.
Os títulos da produtora são aguardados por muitos desde que todo o movimento soulslike se estabeleceu. O prazer sádico dos jogadores de sofrer até o caminho da vitória se resume na felicidade de esbravejar ter passado pelos inimigos mortais de Dark Souls, por exemplo. Sekiro mantém a tradição da dificuldade, mas ele propõe que um verdadeiro shinobi enfrenta seus inimigos de frente, aperfeiçoando sua técnica de espada com o objetivo de superar seu inimigo. Enquanto em DS, você tem um ótimo aliado no rolamento, em Sekiro você precisa aprender a usar parry.
O caminho para aperfeiçoá-lo é a morte.



Não importa o quão bom você pode ser, será necessário ir mais de uma vez em um ou outro inimigo, pois seus move sets mudam e acabam quebrando a defesa do shinobi inexperiente. Contudo, aquele que se manter verdadeiro ao caminho da espada encontrará o prazer divino dos vários ataques bloqueados e da execução direta que cairá sobre o inimigo cuja habilidade com a espada foi superada. Você vai se tornar uma puta máquina de matar.
Além disso, Sekiro te sussurra bem no pé de seu ouvido, com a voz roupa de um narrador de filmes de samurai antigos assim que você morre: este não é o único jeito. Exatamente. Poucos são os cenários em que Sekiro te proíbe uma certa criatividade. Há mais de uma rota e mais de um galho no qual você pode se pendurar para dar continuidade em seu plano de assassinato.
Lembre-se também que sempre existe mais um cachorro. Mais um cachorro que você não viu e que vai pular em você, arrancar os últimos suspiros de vida que tinha e te fazer gastar uma de suas ressureições.
Sim, Sekiro é como um pai que, após a surra, te diz  “você pode tentar, mais uma vez, carregar toda a louça para a cozinha”. Sua bondade, porém, é falsa. Dá a ilusão ao jogador de que ele está o ajudando, quando, na verdade, ele já esperava que morresse. Não há uma diferença qualitativa entre a ressureição e uma barra de vida a mais. Contudo, ver aquele círculo rosa brilhante te dá, sim, esperança de que é possível vencer o inimigo, pois você ainda receberá a benção da vida após a morte.
Sekiro consegue misturar o realista com o fantástico de maneira singela. Uma cobra gigante ou um guardião primata? No fator ambientação, Sekiro não te decepciona. Ele te apresenta vilas, penhascos, templos e bosques que te fazem sentir como se tivesse visitado o Japão. Mesmo meu pai sendo japonês, eu nunca visitei o país, mas eu imagino ser fiel o bastante. Fiel o suficiente para nossas mentes ocidentais. Ao mesmo tempo, o cenário é marcado por uma estranheza reconhecível dos jogos da produtora. Qualquer jogador consegue olhar o mundo de Sekiro e pensar: realmente, alguma merda aconteceu por aqui. Aconteceu.
 O mundo está decadente. Guerra assola o país, enquanto uma doença mata, aos poucos, pessoas desse mundo. A causa? Sem querer dar um spoiler direto, dou-me o direito de pelo menos mencionar ter a ver com o sangue do Dragão e a sua habilidade de voltar à vida. Assim, eu acabei parando um bom tempo para pensar sobre a imortalidade. O tema já havia me interessado, pois adquiri, há algum tempo, o livro chamado “Ética de matar”. O autor discute outros temas, mas, entre estes, a imortalidade aparece. Ela seria a porta de entrada para novas possibilidades e nenhum arrependimento. Não haveria erro sem segunda chance, como também não haveria medo, pois nada seria impossível de ser feito de novo. Contudo, a pessoa precisaria lidar com o preço de ser um imortal. No caso se Sekiro, eu imagino, deva ser um puta problema sentir uma espada atravessando tantas vezes o seu corpo para que, depois, ele renasça. Este ciclo se repete, pelo menos, dez vezes em cada boss. Sim, eu sou ruim desse jeito. De acordo com um amigo, eu deveria começar um show chamado “How not to play”.
Desculpe, Sekiro
 Eu escrevo este texto enquanto estou pouco distante do fim. Sekiro marcou por sua dificuldade, sim, mas também por conseguir provar que a From não está presa ao formato Dark Souls. Também sabemos que Sekiro será o assunto de muita discussão, porque a internet está explodindo no embate entre as forças dos puristas e dos defensores dos oprimidos. Cabeças podem rolar e nós estaremos prestando atenção.

- Paulo

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